Capítulo 1

Introdução às criptomoedas e ao Monero

Maria está comprando um carro de George, e neste capítulo iremos considerar três diferentes formas que ela pode usar para pagá-lo: bancos tradicionais, criptomoedas transparentes (por exemplo, Bitcoin) e Monero.

1.1 Pagamento através de bancos

Figura 1.1

Figura 1.1 – Maria envia dinheiro a George através do sistema bancário tradicional.

Se Maria enviar o dinheiro a George através do sistema bancário tradicional, eles devem confiar em três partes intermediárias (seus respectivos bancos e um sistema de pagamentos que age como intermediário entre dois bancos diferentes) para movimentar o saldo de maneira simbólica para eles.

Não ocorre uma movimentação real de notas ou ativos físicos; ambos bancos simplesmente editam seus bancos de dados para representar que o saldo foi transferido. Quando Maria realiza a transação (seja no caixa eletrônico, usando o site do banco ou pelo app), esse sistema de pagamentos solicita ao banco dela a subtração de 2.500,00 dólares do saldo em sua conta e depois avisa ao banco de George para adicionar 2.500,00 dólares ao saldo dele.

Existem algumas desvantagens e riscos neste sistema, e ele ainda requer total confiança nos bancos. Maria, George e os bancos devem assumir de boa fé que as transações são legítimas e que os registros nos bancos de dados são feitos de forma honesta. Essa confiança em intermediários e terceiros representa um risco, uma vez que um banco ou agente desonesto pode “criar” dinheiro ao editar tais registros de transações ou saldos de forma fraudulenta.

Além do mais, Maria não possui efetivamente os 3.900,00 dólares e sim uma promessa formal vinda de seu banco, e que ela deve confiar que será horada. Não existe uma forma dela auditar seu banco e verificar se eles realmente possuem esses 3.900,00 dólares. Na verdade, eles não precisam possuir essa quantia, pois a maioria dos bancos operam legalmente no sistema de reserva fracionária – o que permite que o valor dos ativos mantidos em caixa seja ligeiramente inferior ao valor total dos saldos de seus correntistas.

Dependendo da forma em que o saldo foi enviado, poderá levar alguns minutos ou até dias para que os 2.500,00 dólares apareçam na conta de George. E dado que George não tem acesso aos registros bancários, o processo todo torna-se opaco e não pode ser monitorado.

Muitas pessoas, especialmente aquelas que nunca passaram por experiências de interferência econômica ou confisco, assumem a validade das notas promissórias como algo garantido. Poucos indivíduos consideram preocupantes as consequências de confiar suas economias de uma vida toda a empresas pouco transparentes, muitas vezes colocando “todos os seus ovos em uma única cesta” institucional.

Perdas podem ocorrer por uma variedade de outros motivos. A negligência do operador bancário (enquanto, por exemplo, realiza a movimentação dos ativos entre duas contas), é um exemplo claro. Um operador bancário precisa lidar com sobrecarga de trabalho, falta de padronização e condições de trabalho precárias; mesmo que se desenvolva um sistema para verificar erros automaticamente, alguns relatos recentes provam o contrário. Devemos notar que bancos operam com ativos parcialmente inexistentes e se todas as pessoas sacarem seu dinheiro ao mesmo tempo, o banco excede sua capacidade financeira e precisa encerrar suas atividades. Malícia e corrupção também têm impacto sobre sistemas econômicos; um hacker ou empregado mal-intencionado pode abusar de suas prerrogativas e esvaziar toda sua conta.

A disponibilidade dos bancos sempre foi um problema para seus correntistas: especialmente durante os finais de semana e feriados nacionais (que variam de país para país), sempre existem algumas dificuldades práticas pelo fato deles estarem fechados. A maioria das operações bancárias não funcionam durante “feriados bancários” e você deve esperar sua abertura para enviar ou receber dinheiro.

Além do mais, algoritmos não-públicos e criptografados tentam prever se você deve ou não ser considerado um criminoso. Eles baseiam-se em uma quantidade indescritível de dados pessoais correlacionados com informações de compras online, dia, hora e diversos outros hábitos de consumo da sua vida digital. Embora eu não seja totalmente contra usar a segurança nacional ou do próprio sistema como justificativa para o monitoramento ou vigilância, esses métodos com algoritmos podem acabar por marcar uma conta como criminosa e bloqueá-la. Você tentou movimentar 1.000,00 dólares para uma conta no exterior para usar nas férias? Eu imagino que não deva ser nada agradável descobrir que sua transferência foi recusada.

Somado a isso, também temos que pensar na emissão de dinheiro e quem a controla. Atualmente, quase todas as economias mundiais baseiam-se em bancos centrais geridos por entidades privadas (como o Federal Reserve nos Estados Unidos) ou grandes corporações reguladas por governos (como o BCE – Banco Central Europeu). Esses bancos centrais seguem leis ou acordos entre estados membros para formalizar e decidir quantas notas (Euro, Dólar, etc.) devem ser impressas. Outro problema do sistema monetário atual é que ninguém – incluindo empresas, autoridades e governos – consegue saber quantos Dólares ou Euros estão em circulação neste exato momento. Mesmo os bancos tentando ser transparentes em relatórios e publicações, não existe uma forma concreta de verificar tais informações.

Com o sistema monetário atual, um cidadão também pode estar sujeito a outro grave problema. Em primeiro lugar: como ter certeza que você possui uma nota verdadeira e não uma falsificada? Notícias recentes mostram que é muito simples para criminosos “criarem” dinheiro ao imprimir notas falsas. A constelação EURion (um padrão de símbolos incorporados às notas de Euro) previne a realização de cópias e auxilia os usuários a identificarem notas verdadeiras. Você deve estar se perguntando: então como tantas pessoas ainda são enganadas, mesmo com essas medidas anti-cópias? Por desconhecimento. O sistema monetário, por padrão, deveria garantir a impossibilidade de criação de dinheiro ao “imprimir” mais notas.

A economia também pode ser usada como uma forma de atacar uma nação. Às vezes, imprudência, especulações e acordos secretos entre governos podem causar crises econômicas em um país, totais ou parciais. Devido à globalização, tais atos podem levar à um “efeito dominó” e acabar por desestabilizar outras economias também. Da mesma forma, um país estrangeiro poderia “brincar” com a economia global em caso de guerra. Como veremos nos próximos parágrafos, a última crise econômica em 2008 desempenhou um papel importantíssimo para o surgimento das criptomoedas.

Em resumo, existia a necessidade de se ter um sistema econômico que pudesse garantir o aspecto fundamental da confiança (isso implica também a necessidade de qualquer um ser capaz de verificar e auditar as informações a qualquer momento). Como garantir isso? Imaginou-se um sistema distribuído e descentralizado. Entretanto, o problema do “general bizantino” (paradoxo dos dois generais) precisava ser encarado. Esse problema descreve a seguinte situação: imagine um general bizantino que precise comunicar aos demais tenentes uma ordem para atacar alguns inimigos. Pelas circunstâncias da guerra, todos sabem que uma ou mais pessoas podem ser impostores e que estes, ao invés de repassar a mensagem correta, repassam uma ordem falsa. Agora, como esses tenentes vão saber se a ordem é verdadeira ou não? Este é o problema do consenso posto sob a ótica de um sistema econômico: como basear-se em informações sobre transações que foram confirmadas por um “adversário” que não deve ser confiado?

Felizmente, uma nova tecnologia emergente chamada blockchain é capaz de mitigar todos os riscos mencionados acima ao criar um registro distribuído em que todas as partes podem, igualmente, usar, visualizar e verificar tal registro. Essa capacidade extraordinária de desconhecidos concordarem em um documento compartilhado, que é chamada de consenso descentralizado, tem sido revolucionada na última década.

É fácil nos confundirmos com essas terminologias num primeiro momento, especialmente porque na maioria das vezes somos apresentados a diversos conceitos e jargões de uma só vez. Você pode pensar em “blockchains” como uma tecnologia que permite às redes estabelecerem acordos usando um “consenso distribuído”. Ao possibilitar que desconhecidos compartilhem um registro de forma segura, torna-se possível o desenvolvimento de “criptomoedas” que funcionam como dinheiro digital. Existe uma infinidade de moedas (euros, dólares, reais, etc.); de forma análoga, diversas equipes desenvolveram diferentes criptomoedas (Monero, Ethereum, Bitcoin, etc.).

Figura 1.2

Figura 1.2 – Uma analogia entre vários termos em criptomoedas (blockchain, consenso descentralizado e criptomoedas) e palavras relacionadas aos sistemas de transportes mais comuns.

1.2 Introdução às blockchains

Qualquer um pode aprender tudo sobre o Monero e como sua blockchain funciona sem precisar entender a matemática e a criptografia por trás deles (semelhante a como qualquer um pode ter facilidade em usar a internet sem precisar estudar como servidores DNS ou o protocolo IPv6 funcionam). Este capítulo é focado nos principais conceitos e vocabulário sem aprofundar em todos os detalhes técnicos – fique a vontade para pular para os capítulos 4 e 5 se você deseja imergir diretamente na estrutura e aspectos criptográficos.

1.2.1 O que é uma blockchain?

O termo blockchain refere-se a um método específico para armazenar, de forma segura, registros em um banco de dados compartilhado com todos os usuários da rede. Este método é inovador por ser um sistema sem a necessidade de confiança, onde os indivíduos possuem total autonomia sobre seus fundos (saldo), também onde não existe uma autoridade central e cada participante pode facilmente verificar e auditar o sistema.

Figura 1.3

Figura 1.3 – A cada poucos minutos a rede adiciona à cadeia outro bloco permanente de informações, associando-o de forma segura ao bloco anterior através de seu hash.

Qualquer pessoa no mundo está convidada à participar da rede como mantenedor, e cada participante mantém os demais honestos ao verificar a blockchain. Quando usuários transmitem informações para serem colocadas na blockchain, os mantenedores da rede agrupam essas transmissões em blocos e usando ferramentas criptográficas para finalizar os registros e associá-los de forma permanente na blockchain.

Figura 1.4

Figura 1.4 – Em uma rede tradicional e centralizada (acima) todos os usuários devem conectar-se aos computadores designados e mantidos por terceiros, demonstrado pelo hub de servidores centrais. Em uma rede descentralizada (abaixo) os usuários criam uma rede adhoc de dispositivos interconectados. O Monero utiliza o segundo tipo de sistema sem servidores centralizados especiais, empregando, em vez disso, uma rede ponto-a-ponto resiliente de nós voluntários compartilhando novas informações uns com os outros.

Uma vez que dados são gravados na blockchain, eles não podem mais ser deletados, movidos ou alterados de nenhuma forma. Os registros são imutáveis e cada participante da rede possui uma cópia correspondente da blockchain para verificarem por si próprios. A maioria das blockchains de criptomoedas empregam um modelo inteligente de mineração que encoraja a participação na rede e mantém todos os registros de forma honesta e sincronizados. Estes tipos de sistemas descentralizados são incrivelmente robustos, uma vez que não existe um servidor ou banco de dados central sequer que possa ser atacado ou manipulado de forma mal-intencionada.

Estes sistemas descentralizados também não necessitam de confiança, uma vez que cada participante da rede mantém e verifica sua própria cópia dos registros, ao invés de depender de algum terceiro. Dado que blockchains fornecem um sistema de registros global e à prova de violação, elas são extremamente adequadas para armazenar informações financeiras.

Bitcoin

Em 31 de Outubro de 2008, um indivíduo ou grupo de indivíduos anônimos conhecido como Satoshi Nakamoto publicou um white paper intitulado “Bitcoin: Um Sistema Ponta-a-Ponta de Dinheiro Eletrônico”. Este documento revolucionário descrevia a estrutura de uma criptomoeda descentralizada de código aberto, bem como a tecnologia blockchain que a tornava possível.

A Figura 1.1 na primeira seção destacou como enviar dinheiro através do sistema bancário tradicional requer múltiplas transações, registros separados e confiança em mais de um banco. A Figura 1.5 (abaixo) mostra como Maria poderia enviar dinheiro a George transferindo 10,5 Bitcoin de seu endeço (1BuUygisXY) para um endereço controlado por George (1eK5FSywkp). Este exemplo faz referência ao Bitcoin (BTC) por mera conveniência, porém praticamente todas as criptomoedas utilizam esse tipo de registro público e, da mesma forma, compartilham os benefícios e problemas que veremos a seguir.

Figura 1.5

Figura 1.5 – Maria envia dinheiro a George usando uma criptomoeda com uma blockchain pública e transparente, como o Bitcoin.

1.2.2 Benefícios da blockchain

Alguns dos benefícios da blockchain são imediatamente aparentes:

  • Simplicidade (e velocidade): Enviar o dinheiro da Maria a George requer um único passo para atualizar um único registro. Enquanto uma transferência ou compensação bancária podem levar dias, registros na blockchain de criptomoedas normalmente são atualizados em minutos ou segundos (o tempo de confirmação de uma transação varia de criptomoeda para criptomoeda).

  • Sem riscos ao envolver terceiros: Maria e George contam com um sistema criptograficamente seguro e mantido por eles próprios, ao invés de colocar seu dinheiro e confiança nas mãos de terceiros.

  • Pseudoanonimato: Diferentemente dos bancos, registros de criptomoedas nunca registram nomes de pessoas, como “Maria” e “George”. Na verdade, informações pessoais nunca são necessárias para gerar uma carteira de criptomoeda. George acessará seus fundos pseudoanonimamente, usando a chave do seu endereço 1eK5FSywkp para o qual Maria enviou o dinheiro (usando sua conta 1BuUygisXY).

Bitcoin e as demais criptomoedas que surgiram depois iniciaram uma revolução financeira que ainda está se desenvolvendo. Com estas novas redes descentralizadas, qualquer pessoa é capaz de guardar e transferir fundos de maneira independente e a seu próprio critério. Antes das criptomoedas, porém, era difícil armazenar grandes fortunas de forma segura sem ter que confiá-las a bancos ou instituições financeiras. Da mesma forma, transferir dinheiro para outra pessoa ou comércio sempre requeria o uso de sistemas de pagamentos terceirizados, para processar cheques, transações bancárias ou cartões de crédito e débito.

Graças às criptomoedas, pela primeira vez, qualquer um pode exercer seu “direito financeiro” sem depender do acesso e aprovação fornecido por bancos e demais instituições! Em poucos minutos, qualquer dispositivo (computador, celular, tablet) pode ser usado para inicializar uma nova carteira de criptomoeda, totalmente funcional para receber, guardar e enviar fundos. Configurar uma carteira não querer nenhum tipo de identificação, taxas ou autorizações, já que o sistema identifica os usuários usando endereços (que se parecem com um conjunto de letras e números aleatórios) ao invés de detalhes pessoais como nome, endereço residencial ou número de telefone.

1.2.3 Problemas da blockchain

A maioria das criptomoedas são pseudoanônimas, pois seus usuários são identificados por números e letras incompreensíveis e não por informações pessoais. Quando você recebe um pagamento em criptomoeda, você não tem acesso ao nome da pessoa que o enviou; em vez disso, você recebe os fundos de um endereço como esse: 1A1zP1eP5QGefi2DMPTfTL5SLmv7DivfNa.

Embora isso preserve a privacidade de certa forma, ainda assim algumas informações sensíveis são expostas. Lembre-se, todo participante do sistema de blockchain descentralizada pode acessar uma cópia completa de todos os registros já feitos. No contexto das criptomoedas, este registro é utilizado para determinar o saldo de qualquer endereço, por exemplo, do Bitcoin.

Nesses registros transparentes compartilhados o saldo e histórico de cada conta são públicos! De fato, muitos sites possuem ferramentas que permitem pesquisar qualquer endereço ou transação na blockchain de forma muito fácil.

Imagine que você tenha uma padaria e um de seus clientes paga por uma porção de pães usando o endereço Bitcoin 3P3QsMVK89JBNqZQv5zMAKG8FK3kJM4rjt. Rapidamente você pesquisa na blockchain e descobre que essa conta já recebeu mais de 5.000 Bitcoins! Sabendo que seu cliente movimentou cerca de 50.000.000,00 de dólares (cinquenta milhões!) recentemente, você pode querer cobrar mais caro dele na próxima vez ou simplesmente roubá-lo. Esse problema de privacidade representa um sério risco para nossa segurança pessoal.

Além de conseguir saber o saldo de seus clientes, você também poderá ver cada transação que eles receberam ou enviaram, incluindo: a quantidade, o dia, a hora e ambos endereços participantes. A análise de transações e históricos pode ser usada para traçar um perfil dos seus hábitos de consumo, renda, economias e com quem você interage.

Uma quantidade significativa de informações pessoais sensíveis podem acabar sendo expostas se sua identidade pseudoanônima na blockchain for associada com sua identidade na vida real (por exemplo, durante uma compra online ou ao registrar-se em uma corretora de criptomoedas). Muitas vezes é possível revelar o dono de uma conta realizando uma simples pesquisa; por exemplo, talvez você já deva ter pesquisado e acabou descobrindo que os dois endereços Bitcoin listados acima pertencem à Satoshi Nakamoto e ao fundo de caridade Pineapple, respectivamente.

Muitas empresas existem pelo simples propósito de rastrear e desanonimizar blockchains transparentes. A empresa Elliptic, por exemplo, oferece uma ferramenta interativa que mostra o fluxo de fundos entre Satoshi, meios de pagamentos, corretoras, fóruns, lojas, serviços de aposta, caridades, pessoas conhecidas e demais serviços.

Figura 1.6

Figura 1.6 – Análise da Elliptic mostrando o fluxo de Bitcoin no início de 2010, extraída da ferramenta interativa Bitcoin Big Bang.

A Figura 1.6 mostra uma captura de tela detalhando transações Bitcoin no início de 2010, incluindo conexões entre pools de mineração, Mt. Gox e o mercado Silk Road.

Reserve alguns minutos e pare para pensar na quantidade de informações confidenciais e valiosas que produzimos todos os dias: compras no cartão de crédito, cada termo que você pesquisa na internet, produtos que você visualiza ou compra, interações nas redes sociais e aplicativos de mensagens, etc. Toda essa informação é armazenada e comercializada rotineiramente pelo seu banco, pelos meios de pagamentos, por grandes empresas de tecnologia e governos.

Essa coleta em massa dos seus dados leva à centralização de informações pessoais e privadas em grandes aglomerados de material confidencial, que tornam-se alvos cobiçados por hackers e vendedores do mercado negro. É provável que seus dados pessoais (como nome, endereço, e-mail, número de telefone, etc.) já estejam circulando pela internet sem seu conhecimento, talvez associados com um dossiê demográfico e/ou de marketing.

Lembre-se dos vazamentos de dados recentes da Equifax, Target, Home Depot, Uber e Panera. Em muitos casos, tanto informações pessoais quanto financeiras vazaram, colocando as pessoas e seus cartões em risco.

Vazamentos acidentais de dados não são a única preocupação. Grandes empresas de dados e tecnologia registram cuidadosamente sua atividade online, de modo que eles podem traçar um perfil com suas preferências para lhe prover um serviço melhor. Com frequência, esse perfil é usado para campanhas de marketing e anúncios direcionados; porém, esses dados também podem ser aproveitados em situações mais questionáveis, como manipulação do seu humor ou da sua intenção de voto.

Qualquer coisa que uma empresa monitore sobre você pode acabar sendo roubada, cuidadosamente vendida ou usada de maneira antiética. Você deveria exercitar enorme cautela em relação à sua pegada digital, já que informações não podem ser “desvazadas” depois que seus dados pessoais foram expostos.

Neste exato momento, privacidade é um tema visivelmente ausente dos principais sistemas econômicos e comerciais. Meios de pagamentos tradicionais, bancos e criptomoedas deixam rastros plenamente visíveis que são usados para lhe estudar, vigiar e explorar comercialmente.

A única forma garantida de exercitar seu direito à privacidade financeira é, em primeiro lugar, evitando revelar informações pessoais! Para nos mantermos seguros, necessitamos de um mecanismo para interagir de forma segura – onde transações não podem ser associadas com sua identidade, suas economias ou demais transações. A criptomoeda Monero é sua melhor ferramenta para ajudar a recuperar o controle sobre todas essas questões!

1.3 Apresentando o Monero

MONERO (pronúncia /mōnĕrō/, plural moneroj) é uma criptomoeda, líder no segmento com foco em transações privadas e resistentes à censura. A natureza aberta e verificável da maioria das criptomoedas (como Bitcoin e Ethereum) permite que qualquer pessoa no mundo rastreie seu dinheiro. Além disso, a associação de hábitos financeiros com sua identidade pessoal pode comprometer sua segurança.

Para evitar esses perigos, o Monero utiliza técnicas criptográficas poderosas para criar uma rede que permita aos participantes interagir sem ter que revelar o remetente, o destinatário ou o valor das transações. Assim como outras criptomoedas, o Monero possui um registro descentralizado que todos os participantes podem baixar e verificar por si mesmos.

Porém, uma série de truques matemáticos são utilizados para ocultar todos os detalhes sensíveis e impossibilitar o rastreamento na blockchain. As características de privacidade do Monero permitem à rede verificar a validade de uma transação e determinar se o remetente possui ou não saldo suficiente em conta, sem saber exatamente o valor da transação ou o próprio saldo da conta! Ninguém pode ver o saldo em conta dos outros e as transações não revelam a origem dos fundos que estão sendo transferidos.

Uma das características determinantes do Monero é sua filosofia de impor a privacidade por padrão. Usuários são expressamente impedidos de iniciar transações que sejam acidentalmente ou até mesmo propositalmente inseguras. Assim, fornecendo aos seus usuários a tranquilidade em saber que a rede não aceitará transações que exponham informações! Os usuários do Monero desfrutam de todos os benefícios de um sistema financeiro descentralizado e sem a necessidade de confiança, e ainda assim, não precisam arriscar sua segurança e privacidade, inerentes a uma blockchain transparente.

A Figura 1.7 mostra como Maria pagaria a George pelo carro usando Monero. O processo funciona da mesma forma que a transação em criptomoeda mostrada na figura 1.5, porém, informações confidenciais são ocultadas criptograficamente. Informações como o saldo das contas e o valor das transações são marcados com “****” na ilustração, dado que nenhum observador externo pode determinar tais valores.

Figura 1.7

Figura 1.7 – Maria envia dinheiro a George usando Monero. Os ****s representam informações confidenciais, como endereços e saldos, que são ocultados pelas características de privacidade do Monero.

1.3.1 Princípios do Monero

Monero foi projetado com os seguintes princípios em mente:

  • Descentralização da rede: A rede Monero e seu registro são distribuídos globalmente. Não existe um servidor ou banco de dados sequer que possa ser hackeado, censurado ou controlado de maneira mal-intencionada. Se um governo tentasse desativar os nós Monero em seu país ou limitar quem pode enviar e receber Monero, o esforço seria em vão! O restante do Mundo continuará mantendo a rede e processando transações normalmente.

  • Segurança financeira: A rede Monero é protegida automaticamente por mecanismos criptográficos incorrompíveis, não precisando confiar a nenhum terceiro a responsabilidade sobre seus fundos e transações. Cada participante do Monero pode verificar a validade dos registros por si mesmos, não precisando confiar nem mesmo no operador de um nó!

  • Privacidade financeira: A maioria dos sistemas blockchain alcançam elevada segurança às custas da privacidade. Porém, o Monero prioriza o fornecimento de privacidade total sem nenhuma concessão em segurança. Valores das transações, identidade do remetente e destinatário são ocultadas na blockchain, de forma que suas atividades de consumo e quanto Monero você possui não são rastreáveis.

  • Fungibilidade: O termo fungibilidade refere-se aos ativos cujas unidades são consideradas indistinguíveis e intercambiáveis. Por exemplo, imagine que você empreste ao seu vizinho 1 kg de farinha de trigo para ele fazer um bolo. Na próxima semana, quando ele for lhe devolver o trigo, certamente ele não estará devolvendo o mesmo 1 kg de farinha de trigo e sim outro semelhante (uma vez que ele usou aquele que você emprestou). Mas isso não é um problema, pois farinha de trigo é um ativo fungível. Carros, em contrapartida, não são fungíveis; se você emprestar seu carro ao vizinho, provavelmente vai querer que ele devolva exatamente o mesmo a você!

No caso do Monero, sua fungibilidade é consequência de suas práticas sofisticadas de privacidade; ocultar o registro das transações esconde também todo o histórico do Monero. Se você emprestar 1 Monero ao seu amigo, ele poderá lhe devolver qualquer 1 Monero, uma vez que eles são indistinguíveis. Essa qualidade excepcional pode parecer um mero detalhe; porém, fungibilidade é imprescindível para a maioria das aplicações de qualquer unidade monetária (confira os exemplos abaixo). E essa característica está ausente da maioria das criptomoedas, todas aquelas com registros transparentes e históricos rastreáveis.

1.3.2 “Aplicações” do Monero na vida real

Esta seção trata de algumas dificuldades e riscos que surgem ao fazer uso de criptomoedas inseguras. Por questões de simplicidade, os exemplos referem-se ao “Bitcoin” como o exemplo de criptomoeda com blockchain transparente. Estas desvantagens, porém, estão presentes basicamente em todas criptomoedas.

  • Manipulação de preço: Sofia é a única mecânica de uma cidadezinha no interior. Um de seus clientes pagou por uma troca de óleo usando Bitcoin. Pouco tempo depois Sofia pesquisa pelo endereço na blockchain e vê que a carteira de seu cliente continha Bitcoins suficientes para comprar uma Lamborghini. A próxima vez que ele precisou de um reparo, ela cobrou o dobro do preço. Se esse cliente tivesse usado Monero, Sofia não teria como ver seu saldo nem usar tal informação para manipular os preços.

  • Vigilância financeira: Os pais de Oleg enviam-no alguns Bitcoins para ele comprar livros, e depois continuam a bisbilhotar seu endereço e movimentações. Alguns meses depois, Oleg envia o restante de seus Bitcoins em forma de doação para o endereço Bitcoin de uma organização que possui uma posição política diferente da de seus pais. Ele não imagina que eles estão bisbilhotando sua atividade no Bitcoin até seus pais lhe enviarem um e-mail furioso, condenando-o. Se Oleg tivesse usado Monero, sua família não teria ficado magoada por intrometer-se em sua atividade financeira.

  • Privacidade da cadeia de suprimentos: Kyung-seok é dono de uma pequena empresa provedora de serviços de bufê para eventos locais. Uma grande empresa do ramo alimentício usa rastreamento de blockchain para identificar seus clientes mais frequentes, criando uma lista. A grande empresa utiliza então essa lista para entrar em contato com os clientes de Kyung-seok e oferece-lhes os mesmos serviços com 5% de desconto. Se a empresa de Kyung-seok tivesse usado Monero, o histórico de suas transações não poderia ter sido explorado por seus concorrentes para roubar clientes.

  • Discriminação: Ramona encontra o apartamento de seus sonhos, convenientemente próximo a seu novo trabalho e em uma ótima vizinhança. Todo mês ela paga seu aluguel usando Bitcoin. Porém, o proprietário nota que alguns dos pagamentos originam-se de um casino online devidamente regularizado. Por questões pessoais, o proprietário repudia sistemas de apostas e inesperadamente decide não renovar o contrato de Ramona. Se Ramona tivesse usado Monero para pagar o aluguel, o proprietário não seria capaz de revisar o histórico de suas movimentações e discriminar sua fonte de renda legalmente conforme.

  • Privacidade e segurança de transações: Sven vende sua guitarra a um desconhecido e fornece ao comprador seu endereço Bitcoin, o mesmo que ele usa para guardar suas economias de longo-prazo. O comprador verifica a blockchain, vê a quantidade de dinheiro que Sven tem guardado e acaba assaltando-o a mão armada. Se Sven tivesse dado ao comprador um endereço Monero, o comprador não teria conseguido ver sua fortuna.

  • Moedas manchadas: Loki vende algumas de suas pinturas online para juntar dinheiro para a universidade. No momento em que foi pagar pela matrícula, ficou chocado ao receber a mensagem “pagamento INVÁLIDO” no portal do curso. Sem que Loki soubesse, um de seus quadros foi comprado usando Bitcoin que havia sido roubado de uma corretora hackeada no ano passado. Dado que a universidade rejeita qualquer pagamento oriundo de uma lista negra de Bitcoins “manchados”, eles se recusam a marcar a matrícula como “paga”. Loki encontra-se em uma situação extremamente difícil: os Bitcoins que ele poupou já foram transferidos de sua conta, e ainda assim a taxa de inscrição não foi considerada paga. Essa situação poderia ter sido evitada por completo se Loki tivesse vendido suas pinturas por Monero, uma vez que sua característica de fungibilidade impede o rastreamento e a criação de listas negras.

Esses exemplos demonstram como as características de privacidade do Monero mantém seus usuários a salvo de uma família bisbilhoteira, moedas manchadas e práticas de negócios antiéticas. Todas as criptomoedas são uma tecnologia relativamente nova e não existe essa coisa de “privacidade perfeita”. Se manter um pagamento específico privado é uma questão de vida ou morte, pode ser arriscado usar qualquer criptomoeda para essa transação.

1.3.3 Monero: comunidade e software descentralizados de código aberto

Monero é um projeto código aberto ativamente desenvolvido por especialistas em criptografia e sistemas distribuídos de todas as partes do mundo. Muitos desses desenvolvedores doam seu tempo livre ao Projeto Monero. Outros são financiados pela própria comunidade Monero para que eles possam focar exclusivamente no projeto.

A natureza descentralizada da equipe de desenvolvimento do Monero trás muitos benefícios em relação a uma empresa ou organização consolidada. O Projeto Monero é uma entidade consciente, muito maior que qualquer indivíduo ou grupo. Uma vez que tanto a rede quanto a equipe de desenvolvimento estão espalhados pelo mundo, eles não podem ser desativados por nenhum país.

O termo código aberto significa que o código-fonte (programação de software) está publicamente disponível para qualquer um inspecionar. A alternativa são softwares com código-fonte fechados, onde os desenvolvedores disponibilizam somente o produto compilado (como os arquivos .exe) que não podem ser abertos e estudados. Se você utiliza software com código-fonte fechado, você está confiando nos desenvolvedores e distribuidores. O problema é que mesmo um desenvolvedor com as melhores das intenções pode cometer erros, que posteriormente serão descobertos e abusados por hackers. Somente utilize criptomoedas com software de código aberto e que tenha sido auditado por entidades independentes para verificar a ausência de códigos mal-intencionados, erros acidentais e limitações de implementação.

A comunidade de criptomoedas abraçou os softwares de código aberto desde o início: o Bitcoin foi publicado na forma de um white paper público com código-fonte aberto e feito pela comunidade, em forte contraste com a estrutura de decisão proprietária e opaca endêmica às moedas fiduciárias (mantidas por governos). Mas é claro que a filosofia código aberto já existe há muito mais tempo que as criptomoedas! Por mais de 25 anos, mais de 5.000 desenvolvedores têm contribuído com o kernel Linux, que é amplamente considerado como um dos sistemas operacionais mais seguros.

Os benefícios de confiança e segurança proporcionados por softwares código aberto são de extrema importância para qualquer criptomoeda, assim, o Projeto Monero é inteiramente de código aberto. Os desenvolvedores usam o GitHub para controlar versões, permitindo a qualquer um revisar com facilidade cada linha de código a ser adicionada, removida ou modificada. Mais de 240 desenvolvedores já contribuíram, revisaram e testaram o código do Monero, reduzindo assim drasticamente a chance de deixar algum erro passar despercebido. Desenvolvedores poderão encontrar mais informações sobre como interagir com o código-base do Monero nos capítulos 6 e 7.

Transparência por parte da equipe de desenvolvimento é muito importante para a confiança da comunidade, especialmente para criptomoedas. As discussões sobre desenvolvimento acontecem em canais abertos no IRC e o site do Projeto Monero disponibiliza os históricos de todas as reuniões.

1.3.4 História do Monero

Em 2013, Nicolas van Saberhagen publicou o protocolo “CryptoNote”, tornando-se este a base para muitas moedas, a começar pelo Bytecoin. O criador do Bytecoin, assim como Satoshi Nakamoto no Bitcoin, permaneceu anônimo e promoveu sua moeda em um tópico do fórum Bitcointalk.

Alguns aspectos do Bytecoin pareceram duvidosos sob um olhar mais crítico. Um membro do Bitcointalk chamado “thankful_for_today” investigou a curva de emissão e notou que aproximadamente 82% das moedas já haviam sido emitidas, assim, era provável que a quantidade de moedas em circulação estivesse perigosamente centralizada.

Por fim, essa mineração prévia gananciosa deteriorou a viabilidade e a credibilidade do Bytecoin. Felizmente, thankful_for_today reconheceu o valor das características do CryptoNote e incorporou-as em um novo projeto centrado numa equipe de desenvolvimento forte e liderada pela comunidade. A criptomoeda Monero, sob a liderança de thankful_for_today, foi lançada em Abril de 2014. A moeda foi originalmente chamada de “BitMonero”, mas logo a comunidade votou para encurtar seu nome para “Monero”, cuja palavra significa “moeda” no idioma Esperanto.

1.3.5 Discussão ética

O Monero foi cuidadosamente projetado para fornecer características como fungibilidade e privacidade das transações, as quais são necessárias para que qualquer moeda (cripto ou não) seja viável para o uso geral. Como discutido na seção “‘Aplicações’ do Monero na vida real”, existem diversos problemas práticos que acarretam sistemas financeiros que não protegem a privacidade de seus usuários.

Exatamente as mesmas características necessárias para manter o Monero seguro para seus usuários e para as empresas, infelizmente também são atraentes para aqueles que desejam ocultar atividades ilícitas. O Monero não foi especialmente projetado para facilitar atividades ilícitas, fato que têm acometido todas as moedas desde que a noção de dinheiro foi concebida milhares de anos atrás. A proporção de transações ilegais conduzidas usando criptomoedas é insignificante perto da extraordinariamente grande quantidade de atividade criminosa que ocorre diariamente usando moedas fiduciárias como Euro, Rúpia, Yen ou Dólar.

A mineração no Monero foi projetada para ser compatível com computadores, celulares, tablets e a maioria dos navegadores; isso permite que qualquer um ingresse facilmente no ecossistema de mineração sem barreiras quanto ao custo de equipamentos. Infelizmente, hackers têm tirado proveito dessa acessibilidade para criar sites e softwares que mineram Monero secretamente. Mineração sem consentimento é equivalente a roubo de recursos e a comunidade Monero organizou recentemente uma equipe de voluntários para auxiliar as vítimas de forma gratuita. O Grupo de Resposta a Malwares proporciona educação, ferramentas e suporte em tempo real para ajudar a combater softwares que usam o Monero para mineração ilegal e ransomware.

Os criadores de Mastering Monero estão empolgados com o uso disseminado da moeda para fins pessoais, no varejo e em aplicações comerciais. Esperamos que nossos leitores usem o Monero frequentemente e com ética! Vou pode procurar lojas online que aceitam Monero através do Project Coral Reef. Existem muitos sites que facilitam o uso filantrópico de seu computador para minerar Monero e apoiar várias organizações sem fins lucrativos como a UNICEF Austrália, BailBloc e Change.org.